Wednesday, December 26, 2007

Férias


Volto a publicar em fevereiro!

Saturday, December 22, 2007

Daniela – seis anos


- Mais para a direita, assim. Ergue o ombro.

Fica mais perto dele. Agora dá um sorriso bem grande.

- Mãe, por favor, pode guardar a câmera e me deixar conversar com o Papai-Noel?

Presente especial

Na escola todos pediam presentes na lista. Uma bola para João, Maria boneca, Taís bicicleta.
Antônia pedia mapas.
A professora pergunta:
- O que uma menina de seis anos quer com mapas?
- Ensinar ao Papai Noel o caminho das casas que ele nunca encontra.

Laço

Vieram todos da vizinhança. Alguns nem conhecia. Roçaram, limparam, ergueram a casa. As mulheres cozinharam. Fizeram pacotes, com balas, pão e frutas.
As crianças nunca tinham visto Natal como aquele.

Tuesday, December 04, 2007

Recorrente


Ela gostava quando doía, quando sangrava.
Ele aceitava.
Com as costas arranhadas e as orelhas mordidas.

Provocação


Ele falou pra não pisar que quebrava.
Pisei forte, sorrindo.
Não agüentou e pisou também, com medo.
Apanhou e ficou de castigo, não devia quebrar a bengala da Dindinha.

Monday, December 03, 2007

Sem opção

Foi um engano assassiná-lo.
O que fazer se ele era parecido com o que fora encomendado.
Agora precisava corrigir e não podia mais gastar nenhuma bala.

Wednesday, November 28, 2007

Vereda

Do fundo do poço ele olhava para cima, e o que mais gostava era a luz, lá, bem longe.
Possibilidade única de sair dali.

Saturday, November 24, 2007

Dos homens com quem viveu


Todos atenderam seus desejos sem reclamar.
Mandou-os embora, um por um.
Este agora era como vento, uma surpresa a cada dia.
Tempestade na sua rotina e sol forte aos seus anseios.

Das mulheres com quem viveu

As duas últimas ele matou e ninguém sentiu falta.
Mas desta agora, quem sentia falta era ele.
É claro que depois do jantar isso passava.

Wednesday, November 14, 2007

Estrige

Acordou diferente, sentindo-se fraca. Não lembrava quase nada da noite anterior. Bebera demais.
Olhou-se no espelho.
Lembrou então do beijo, do homem, do perfume.
E sentiu a dor da mordida no pescoço.

Buscador

Abriu o biscoitinho da sorte e leu a mensagem:
- Viver a vida sem expectativas: isso é liberdade.
Guardou o papel no bolso e seguiu catando mais comida no lixo do restaurante chinês.

Sunday, November 11, 2007

Super-herói


Toda mãe considera o filho um herói. Dotado das melhores qualidades e valores. O dela não era diferente. Gostava de andar fantasiado de homem-aranha e falava com inimigos imaginários. Mas quando aos cinco anos fez seu primeiro salvamento ela pensou:
- Será que as teias de aranha que vivo encontrando pela casa, são dele?

Friday, November 09, 2007

Venial



Aprendeu que não deveria comer antes de comungar.
Deixou as rosquinhas roubadas para depois da missa.

Padecimento

O pastor disse que seu lugar no reino dos céus estava garantido.
Só não explicou que seria a bala.

Wednesday, November 07, 2007

Omissão


Andava esquecendo. Palavras, objetos, autores dos livros preferidos.
Esqueceu de viver.

Vindita


Nunca esqueceu a maldita empregada que lhe trancava no armário do sótão. Até batizou uma das bonecas com o nome dela - Inácia. Quando ficava com raiva, alfinetava Inácia sem parar.

Friday, November 02, 2007

Traquinas


Clara e Amanda eram inseparáveis nos seus sete anos de idade. Primas que eram irmãs.
Quando Amanda sumiu todos procuraram aflitos e não deixavam Clara ajudar, tinham medo que sumisse também.
Só depois de quatro horas ela conseguiu correr e encontrar a amiga embaixo da cama.

Wednesday, October 24, 2007

Escárnio


A raiva não escolhe criatura. Apodera-se e toma as entranhas de qualquer ser. Ele, inesperadamente mata. Desfaz-se do corpo e segue a vida, até que a soberba o revela.


Obs: inspirado no conto de Edgar Allan Poe, O gato preto.

O gato

Odiava o bichano, e ele sem dar importância ao meu sentimento, enrodilhava-se nas minhas pernas. Ronronava e lambia seu pêlo preto que voejava pelo tapete. Matei-o por higiene, mais que por nojo ou prazer.
Obs: inspirado no conto de Edgar Allan Poe, O gato preto.

O gato preto


Quando criança foi dócil, e comedido. Ninguém poderia imaginar que seria um adulto violento. Matou os quatro gatos da mulher, cruelmente, por último o preto, que foi emparedado com ela no porão.


Obs: inspirado no conto de Edgar Allan Poe, O gato preto.

Friday, October 12, 2007

Singela comparação


Ultimamente as balas não tinham mais o mesmo sabor. Talvez a idade, já não era mais criança.
Quando matou o primeiro tinha apenas doze anos.

Apenas uma escolha

Assim, em frente ao espelho, olhava seu corpo. Pernas bonitas, seios firmes, olhos grandes. Cabelo preto e brilhante. As unhas bem feitas - vermelhas. A boca perfeita que sabia beijar e iludir qualquer um. Podia ser modelo.
Mas o pai decidira bem cedo – prostituta.

Friday, October 05, 2007

Extravio

À noite, quando a casa dormia, escondida, ela escrevia poesias.
Dizia do que via nos dias, no vento, na chuva. Dizia do que sentia e não revela a mais ninguém.
Disse muito, sobre tudo.
Tanto, que virou palavras, perdidas nos cadernos, nas paredes, na terra solta do canteiro do jardim.

Homicídio singular

Quando jogou seu bebê no rio todos a condenaram.
Como podiam fazer isso?
Ela apenas o livrou da imundícia da realidade, das drogas da favela, da corrupção e da pedofilia.

Sunday, September 23, 2007

Homose


As mulheres da casa deixavam suas marcas por todos os lados.
A comida, os doces, as pinturas no banheiro, as bonecas.
No varal as roupas que dançavam com o vento.
O perfume de alfazema nas folhas dos livros e os fios de cabelo comprido na penteadeira.
Foi inevitável querer ser uma delas.

Sunday, September 16, 2007

Amor inquieto

Ela temia perdê-lo e vigiava sua vida.
Ele não saia de casa, seu contato com o mundo era através da internet. Jogava e conversava, fazia amizades, lia as notícias.
Ela cometeu o crime perfeito, por ciúme vendeu o computador.

Wednesday, September 12, 2007

Erradio

E uma mágoa se abatia sobre ele, sem hora, em qualquer lugar.
Partia, largava tudo e mudava de cidade.
Outra vida.
Era então feliz, até que tudo se repetia.

Sunday, September 02, 2007

Perda

Sentiu mais a morte dele do que a do outro.
Ele nunca condenava suas atitudes, partilhava toda felicidade com ela. Comiam juntos, saiam, ficavam deprimidos em casa nos dias de chuva.
O cachorro era sim, muito mais carinhoso do que o marido.

Amor e profissão


O pai era químico e a mãe psiquiatra.

Platina, a mais jovem.

Argônio, o do meio.

Arsênico suicidou-se.

Saturday, August 18, 2007

Espelhos


Depois da morte da esposa ele retirou todos os espelhos da casa. Os vizinhos comentaram, ele estava enlouquecendo. Diziam que ele queria esquecer como ela era vaidosa, como passava o dia admirando sua própria imagem, pintando a boca com batom.
Todos estavam enganados, ele queria apenas deixar de ver sua infinita tristeza.

Imagem


Da quinta gravidez Maria deu a luz a uma menina com um grave defeito no rosto. Para protegê-la escondeu todos os espelhos da casa e impediu seu contato com qualquer estranho. De nada adiantou, ela podia ver tudo nos olhos da mãe.

Tuesday, July 31, 2007

Perfídia (para a revista Piauí)


O ciúme tornou nossa vida insuportável. Cada roupa nova que eu vestia era motivo para desconfiança, cada perfume, cada olhar lhe causava incerteza. Buscava traição nas minhas palavras, nos meus olhos, na minha alegria. Embora nunca tenha lhe dado um motivo sequer para insegurança a vida dele era objeção.
Não sabia mais qual a maior tortura, o medo de deixá-lo e fazê-lo pensar que eu realmente o traía ou ficar com ele e não poder amá-lo livremente.
Num momento de desespero propus um pacto de morte. Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio.

Saturday, June 09, 2007

Lucubração


E assim permaneceu por oitocentos e vinte dias, observando cada passo da família, cada trama, cada riso. Limpo, barbeado e arrumado viu o conluio dos seus filhos.
Decepcionou-se, mas permaneceu imóvel.
Em coma.

Monday, May 07, 2007

Compunção


Foi difícil juntar todos os pedaços das fotos rasgadas e jogadas no lixo.

Limpar e colar uma por uma.

Mas seria bom ter uma lembrança dela.
Só lamentou não poder fazer o mesmo com o corpo, que jogara no rio.

Sunday, April 29, 2007

A magia das férias


Menino nunca entende adulto. Às vezes nem quer entender mesmo. Gabriel sempre acreditou ser assim, e pronto.
Mas certamente tinha alguma magia, alguma coisa estranha que acontecia com os seus pais nas férias. Pareciam outros. Nada de brigas ou exigências. Brincavam, corriam. A mãe dava gargalhada. Beijava toda hora.
Por isso quando a professora perguntou o que ele queria ser depois de grande, não teve dúvida:
- Pai em férias.

Sunday, April 01, 2007

Um admirador

Ele confessou ter lido todos os seus livros. Apontando-lhe a arma, bem no meio da cara.
E adorou todos, sem exceção.
- Mas então por que matar-me – perguntou o autor.
Para te dar fama – escritor bom é escritor morto.

Tuesday, March 27, 2007

Insolente amor


Marília era exigente. Sempre foi assim, desde os tempos de namoro. Para casar quis festa, jóias, casa. Depois pediu carro, vestidos.
Por ela João roubou, quase matou. Caprichos e desejos que ele atendia sem reclamar.
Acostumada, pediu o mundo.
Ele ofereceu-lhe todo, direto, pela porta da rua.

Foto: Ian Britton

Loba


Nas noites com lua ela ficava agitada e saia logo que a noite vinha. O marido resolveu segui-la e no escuro da rua viu a transformação.
Os cabelos agora estavam soltos, olhos brilhando, boca vermelha. Pêlos eriçados e músculos entesados em suave rebolado.
Quando parou um carro ela entrou libertina.

Foto: Ian Britton

Tuesday, March 20, 2007

Quando o celular tocou


Não teve chance.
Levou dois tiros.

Necrológio

Nunca imaginou que alguém pudesse durar tanto.
Tantos anos - inerte.
Ele já morrera faz tempo para o mundo, para a vida. Por que insistia em respirar?
Agora iria matá-lo. Sufocá-lo na troca das enfermeiras.
Tramou isso por meses e o desgraçado morreu antes, estragou tudo novamente.

Monday, February 19, 2007

Quarteto

Amélia é casada com João que trabalha na obra. Edifício alto, de onde ele vê Joana que vai para a praia. Joana desfila pra ele mas dá para Carlos, o engenheiro.
Obra acabada – amores desfeitos em cimento e areia.

Foto: Ian Britton

Tuesday, January 23, 2007

Saga de família I

Nenhum prestou pra nada.
Só Clara, a prostituta.


Foto: Ian Britton

Condão

Aquilo sim é que era presente.
Tinha o gosto da infância. Da maçã roubada no pomar do vizinho, do pão de casa feito pela mãe. O cheiro era do leite quentinho servido nas manhãs de inverno. Era uma festa, um feriado inesperado.
Como era gostoso ter assim, no colo, um filho.


Foto: Ian Britton