Um inquilino habitava seu corpo. Falava quando ele não queria ouvir, sussurrava idéias obscuras e traiçoeiras.
Vingança e morte era o que ele queria.
Sim, o assassino era ele.
Do outro lado das grades – a liberdade.
Mas fazer o quê depois de 30 anos na prisão?
Morreu enforcado, um dia antes de ter cumprido a pena.
Todos vieram para a leitura do testamento.
Até Tobias, o cachorro, e único herdeiro.
João acostumou-se a trabalhar duro desde cedo. Apesar da vida não lhe dar moleza, seu coração era leve e singelo. Suas mãos, ásperas e fortes. Há anos trabalhava no lixo. Catar, separar, vender.
Já tinha visto de tudo. Fotos, roupas, livros, pássaros e cachorros mortos. Um feto, humano. Neste dia ele teve certeza – o homem dilui-se no lixo.
Ele sempre reclamava da comida, mas comia tudo. Raspava o prato e limpava a boca na ponta da toalha branca da mesa.
O veneno deixou as toalhas eternamente limpas.
Grande campeonato aquele! Só times fortes, guerreiros. Ele assistiu a todos os jogos. Torceu contra todos os prováveis adversários que poderiam derrotar seu amado time.
Até que chegou a final. Com bandeira e camiseta, conferia todos os preparativos. Pipoca, balões, os foguetes, os melhores amigos presentes.
Nunca ficou sabendo quem venceu, enfartou aos quinze minutos do primeiro tempo.
Ainda bem, dizem os amigos, o time nunca jogou tão mal.